O advogado Adolfo Mesquita Nunes diz, em entrevista à Lusa, que parece que o populismo de direita tem tido mais êxito com os algoritmos e que o perigo das democracias liberais é a perda de confiança nas instituições.
Agência Lusa
“Parece-me que o populismo de direita tem tido mais êxito”, afirma o autor do livro “Algoritmocracia”, onde aborda o tema como a inteligência artificial (IA) está a transformar as democracias, referindo que não é porque mintam mais porque o populismo de esquerda usa “exatamente as mesmas visões binárias e maniqueístas” da sociedade.
“A minha interpretação, e esta é mesmo a minha interpretação – é o contributo que trago para o debate – tem a ver com o tipo de linguagem e de temas que um e outro colocam”, em que o populismo de esquerda, de uma forma generalizada, tende a trabalhar com a culpa social, devido a uma sociedade desigual com racismo, misoginia e homofobia estrutural.
Já o populismo de direita “identifica um inimigo estrangeiro”, os imigrantes, o ataque à pátria, à família, às crianças, aos valores essenciais.
“Toca em sentimentos mais primários e, portanto, que disparam mais a nossa reação: o medo, a indignação e, por isso, são mais favorecidos pelos algoritmos, porque do ponto de vista neurológico toca em pontos mais sensíveis”, considera o sócio da área de Direito Público na Pérez-Llorca.
“As democracias hoje não terminam com tanques na rua e com golpes de Estado”, até pode acontecer, “mas não é esse o perigo que estamos a correr”, prossegue.
No caso das democracias liberais, diz que o perigo que se corre é a perda “de importância das instituições”, avisa.

O clima de degradação das instituições “está a ocorrer em muitos países da Europa e é preocupante porque é isso que depois transforma as democracias liberais em democracias iliberais, como aquela que temos na Hungria”, exemplifica.
Sobre a contemporização com sinais de iliberalismo, mentiras flagrantes e meias verdades, “não há dúvida que o ecossistema algorítmico ajuda a diminuir o custo político da mentira”, enfatiza.
Uma mentira dita num espaço comum “sujeita-se a ser rapidamente contraditada e exposta”, mas quando a realidade “está dividida por milhares de bolhas é possível que uma mentira sobreviva durante muito tempo sem ser contraditada”.
Aliás, “é possível que o contraditório à mentira apareça já contaminado” como sendo o ataque do sistema “ao coitado que disse uma verdade que ninguém quis ouvir”, o que ajuda a explicar em parte como é que a sociedade está a tolerar tanto a mentira, diz.
Com a IA já é difícil destrinçar o verdadeiro do falso, o que aumenta mais a confusão sobre a verdade e a mentira.
A sociedade já não acredita em algo até prova em contrário, mas acredita até prova a favor, refere.
“Vivemos num tempo em que posso dizer que determinado tipo de factos não aconteceram apenas porque escolho dizer que não aconteceram”, o que “é muito perigoso”, acrescentou o ex-secretário de Estado do Turismo do governo de Passos Coelho.
Por isso, “temos palavras ou expressões como verdade alternativa ou factos alternativos, que é um contrassenso”, acrescenta.
Sobre o que se passa hoje no parlamento, Adolfo Mesquita Nunes diz que “não é apenas um traço do acaso, há mesmo uma vontade deliberada de denegrir a imagem” da instituição, o que é útil aos populistas.
Ou seja, quanto mais desacreditadas as instituições, tribunais, jornalistas, parlamentos “melhor” porque “aí deixamos de ter referências” sobre onde é que está a razão e a sensatez.
A discussão política está “mais bélica” e os partidos do centro “já não são capazes de dialogar entre si”, constata.
“Não é a sociedade que neste momento está numa fase e rapidamente se cansará”, mas antes “o resultado de um sistema algorítmico que promove isto”, insiste o autor, defendendo que é preciso olhar e fazer qualquer coisa.

“Fazer da esperança algo viral e não apenas o medo”
Adolfo Mesquita Nunes defende que é importante que as instituições que intermedeiam o conhecimento reflitam sobre o seu papel e o desafio dos políticos é tornar a moderação “sexy” para os algoritmos. “O importante é que as instituições que tipicamente filtram e intermedeiam o conhecimento reflitam sobre o que aí está e o seu papel”, incluindo jornalistas, diz o autor do livro “Algoritmocracia’, que aborda o tema como a inteligência artificial (IA) está a transformar as democracias.
Mas “também que os agentes políticos reflitam” sobre que tipo de sociedade, de debate político e que tipo de parlamento “estamos a querer criar e até onde vão as nossas fronteiras”, prossegue.
O desafio para os políticos “é encontrar forma de tornar (…) a moderação “sexy” para os algoritmos, de encontrar um projeto político pela positiva que seja viral para os algoritmos”, perspetiva o sócio da Pérez-Llorca.
Ou seja, “fazer da esperança algo viral e não apenas o medo, as fronteiras abatidas, a pátria em risco, os imigrantes a entrarem em hordas”, mas ser capaz de construir uma linguagem” que permita que os algoritmos premeiem tanto quanto os conteúdos que chocam.
Como os algoritmos definem o que aparece nos telemóveis e ecrãs, não foram só os políticos que tiveram de se adaptar à nova realidade.
“Uns aproveitando-se porque eles casam na perfeição com a linguagem populista, outros começando” a mudar os tons, palavras, “a utilizar um tom mais bélico, (…) vídeos comunicacionais com bastante mais caráter bélico, para poder passar nos algoritmos”, aponta o ex-secretário de Estado.
Nos comentadores de televisão assiste-se a momentos mais conflituosos: “agora começa a ser comum que as pessoas saiam dos estúdios”, o que “faz parte dessa encenação porque é isso que depois faz com que no algoritmo esse vídeo dispare”, seja do lado de quem ofendeu ou quem foi ofendido, prossegue.

Mas também os jornalistas, “seja nos títulos que escolhem para as notícias, seja nas perguntas que fazem, seja até na circunstância de termos um líder político que é convidado permanentemente para dar entrevistas, como se fosse o único líder em Portugal”, porque como dá audiências “tem uma exposição mediática que é totalmente desproporcional à sua representatividade política”, diz.
Adolfo Mesquita Nunes refere que isso “significa que o ecossistema que está a ser alterado não é só o partidário, é o ecossistema da discussão e do debate político, da deliberação política”.
Quando “passamos a ter processos políticos, processos de sindicância política, processos de debate político, de jornalismo político filtrados pelos algoritmos, então estamos de facto a contaminar todo o processo com esta lógica que vai terminar em radicalização e polarização”.
Apesar dos desafios que os algoritmos colocam, Adolfo Mesquita Nunes mantém um otimismo e explica a razão.
Se há uma expectativa fundada de que a tecnologia possa ajudar erradicar doenças e atravessar fronteiras do conhecimento para uma sociedade mais próspera, culta, justa e solidária, “por que carga de água é que não devemos ter a expectativa de que a tecnologia também pode encontrar soluções para nos ajudar a ter um ecossistema algorítmico que não tenha este efeito nefasto”, argumenta.
A questão dos algoritmos é “um problema muito complexo”: do ponto de vista das soluções, “quando algo é muito difícil e eu não sei muito bem como resolver, eu recorro aos meus valores principais e o meu valor principal é o da liberdade”, sublinha.
“Quero ter alguma liberdade na forma como personalizo esse algoritmo”, saber como funciona, como prioriza, defende.
Acima de tudo, é preciso que surja um debate para que seja possível apurar melhor o problema e as soluções.






