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Nacionalidade portuguesa entra para a lista das mais difíceis de adquirir na Europa

Portugal afasta-se da norma europeia: residência duplicada e nacionalidade para filhos de imigrantes deixa de ser automática

As propostas do Governo para reformular a Lei da Nacionalidade — aprovadas esta semana em Conselho de Ministros e que serão debatidas na Assembleia da República nos próximos dias — representam uma mudança profunda no regime em vigor, colocando Portugal entre os países europeus com critérios mais rigorosos para aquisição da cidadania por naturalização.

Entre as principais alterações está o aumento do tempo mínimo de residência legal exigido, que passará de cinco para dez anos. A única exceção serão os cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), para os quais se propõe um prazo de sete anos. Esta mudança afasta Portugal da média europeia, que geralmente oscila entre cinco e sete anos. França, Bélgica, Finlândia, Irlanda e Suécia mantêm o requisito mínimo de cinco anos. A Alemanha, após uma reforma recente, permite a naturalização ao fim de cinco anos — ou até três, em casos de forte integração. Já Espanha exige dez anos, embora esse prazo se reduza para dois no caso de cidadãos de países da América Latina.

Outro ponto central da proposta é o reforço dos critérios de integração. Para além da proficiência linguística de nível A2 (básico), atualmente exigida, será introduzido um exame que avaliará também conhecimentos sobre a cultura, a história e os direitos fundamentais da República. Esta aproximação coloca Portugal em linha com países como França e Alemanha, que exigem níveis mais elevados de integração. Em França, o domínio da língua pode ter de atingir o nível B1 ou B2; na Alemanha, o nível B1 é obrigatório, assim como um exame de integração. Espanha, por sua vez, exige um teste de língua (B1) e uma prova de conhecimentos constitucionais e socioculturais.

Aquisição da nacionalidade por nascimento deixa de ser automática

Outro aspeto sensível prende-se com a aquisição da nacionalidade por crianças nascidas em território português. Deixa de ser automática e passa a depender de um pedido formal, desde que pelo menos um dos progenitores resida legalmente no país há pelo menos três anos. Esta alteração contrasta com o modelo francês, onde a nacionalidade pode ser atribuída automaticamente aos 18 anos, desde que o jovem tenha residido no país durante cinco anos. Na Alemanha, o direito ao nascimento aplica-se se um dos pais residir legalmente há pelo menos cinco anos e tiver autorização de residência permanente. Em Espanha e Itália, a naturalização por nascimento continua a depender de múltiplos critérios e é rara.

Reagrupamento familiar com novas barreiras

A proposta impõe também restrições significativas ao reagrupamento familiar. Passa a ser exigido um mínimo de dois anos de residência legal no país para que o pedido possa ser feito, com critérios mais apertados para familiares maiores de idade, que terão de iniciar o processo fora do território nacional e aguardar deferimento pelas autoridades. Será ainda obrigatória a comprovação de meios de subsistência — excluindo apoios sociais — e de condições de alojamento adequadas. No caso de menores, será necessário que frequentem o ensino obrigatório.

Críticos da proposta acusam o Governo de querer dificultar a reunião de famílias e de introduzir obstáculos desproporcionados à integração dos imigrantes.

Cidadania pode ser retirada em caso de crimes graves

Outra medida proposta prevê a possibilidade de retirada da cidadania a cidadãos naturalizados que cometam crimes graves, como homicídio ou terrorismo. Vários países da UE já adotam disposições semelhantes, nomeadamente França, Alemanha e Espanha, em casos que envolvam ameaças à segurança nacional, sobretudo quando os visados mantêm dupla nacionalidade.

Fim da via sefardita

Será também eliminado o regime especial que permitia a atribuição da nacionalidade a descendentes de judeus sefarditas expulsos de Portugal no século XV. Até agora, bastava comprovar a ligação histórica a uma comunidade sefardita para obter a nacionalidade sem exigência de residência. Em Espanha, um mecanismo semelhante foi encerrado formalmente em 2021. A maioria dos países da União Europeia não oferece regimes comparáveis.

Itália em sentido contrário

Enquanto Portugal opta por endurecer as regras, em Itália foi realizado recentemente um referendo para reduzir de dez para cinco anos o tempo de residência exigido para naturalização. Embora 65% dos votantes se tenham manifestado a favor da mudança, a consulta foi considerada inválida devido à baixa participação: apenas 30% do eleitorado votou.

Imigração sob nova tutela policial

No contexto da extinção do SEF, a proposta prevê a criação de uma unidade dentro da PSP que ficará encarregada de fiscalizar fronteiras, controlar imigrantes em situação irregular e executar ordens de expulsão.

O que fazem outros países fora da UE?

As regras para atribuição de nacionalidade variam amplamente no mundo. Em muitos países, a dupla nacionalidade não é permitida, sendo exigida a renúncia à anterior para evitar “lealdades divididas”. É o caso do Japão, da China, da África do Sul e de Espanha (com exceções para países ibero-americanos, Andorra, Filipinas e Guiné Equatorial).

No Qatar, o processo inclui um teste de lealdade que avalia atitudes políticas, comportamento social e contribuição do requerente à sociedade. No Vaticano, a cidadania está ligada a cargos públicos — como cardeais, diplomatas ou membros da guarda suíça — e só é válida enquanto ocuparem funções.

Em Israel, qualquer judeu ou descendente direto tem direito automático à cidadania. França também permite exceções em casos extraordinários, como o de Mamoudou Gassama, um imigrante do Mali naturalizado após salvar uma criança em Paris.

No Butão, o processo é um dos mais restritivos do mundo: são exigidos 20 anos de residência e fluência no idioma dzongkha.

Estas propostas representam uma viragem clara na política migratória portuguesa, afastando-se do espírito de abertura dos últimos anos. Se aprovadas, tornarão Portugal um dos países mais exigentes da Europa para quem deseja adquirir a sua nacionalidade — uma das mais valorizadas do mundo, que permite viajar sem visto para 189 países.