Search
Close this search box.

“Para alguns médicos, os naturopatas são bicho-papão que rouba pacientes”

Alice da Montanha, como é conhecida nas redes sociais, encontrou nas plantas (e na natureza) o seu propósito de vida. Gosta de partilhar com os seguidores o poder de cada erva, chá e mezinha tradicional que era usada pelas nossas avós na cura de maleitas. Não sendo fundamentalista, acredita que é possível conciliar a sabedoria da medicina natural com a convencional, conseguindo o melhor dos dois mundos.

Alice da Montanha é uma defensora da terra. O seu amor pela natureza e conhecimento sobre plantas tornou-a conhecida nas redes sociais. Hoje, dedica-se a tempo inteiro à maternidade e à ecologia e, em breve, começará a exercer a profissão com que sempre sonhou: a de naturopata.

Fique a conhecer a história de Alice, que vive com os dois filhos e o companheiro em Amarante, e cuja página no Instagram conta com 144 mil seguidores, conseguindo fazer das plantas o seu estilo de vida.

Como é que surgiu o amor pelas plantas?

Cresci no campo, numa aldeia em Amarante e acabei por ter este convívio com a natureza e a vida rural, apesar de a minha mãe ser professora e o meu pai ser empresário de construção civil.

A minha avó Alice, de quem herdei o nome, estava sempre na horta e lembro-me da figura dela com muito carinho, de mulher do campo. Andava sempre descalça, as mãos com terra e passava a vida dela a cozinhar.

Sempre tive boas notas e queria ser médica, mas depois quando cheguei à adolescência decidi que queria ser artista. Não foi um caminho em linha reta, foi um caminho que me fez questionar tudo e andar à procura. Fui para Belas Artes, no Porto, e dei por mim sempre a querer representar esta temática da ruralidade, natureza, liberdade, do questionamento social… O ‘corre corre’ da cidade não me satisfazia.

Estudei em Itália e acho que foi aí o ponto de viragem, de perceber as plantas que me curam, mas também porque na minha relação com elas consegui encontrar um motivo para viver. Acho que é o que falta na sociedade, as pessoas ficam depressivas e perdidas porque não têm uma paixão, algo que as faça acordar todos os dias de manhã. Tenho isso com as plantas, arte, ecologia e maternidade também.

E acabou por, de certa forma, se tornar viral nas redes sociais. 

Acho que estamos numa fase em que as pessoas estão a despertar para esta questão da ecologia, das plantas e da urgência de nos conectarmos. Já tinha o meu projeto – fazia caminhadas, feirinhas com cosmética natural e mistura de plantas, remédios para a família… cuidava de nós.

O nosso primeiro terreno foi doado por uma pessoa que não conhecíamos de lado nenhum. Em 2016, eu e o André tínhamos uma carrinha caravana e fomos à procura de terreno para viver gratuitamente e estivemos dois anos a morar naquele sítioNão terá havido uma identificação? A Alice fez o que muita gente sonha que é deixar a ‘roda dos ratinhos’ e viver no e do campo.

Acho que sim, até porque as pessoas que fazem isso e que chegam ao público português são estrangeiras. Há muita gente que tem um pedaço de terra do avô, do tio.

As pessoas vêm muitas vezes com a conversa “mas é preciso ter dinheiro para isso”. O nosso primeiro terreno foi doado por uma pessoa que não conhecíamos de lado nenhum. Em 2016, eu e o André tínhamos uma carrinha caravana e fomos à procura de terreno para viver gratuitamente e estivemos dois anos a morar naquele sítio.

Há um Portugal rural, interior, muito abandonado. As pessoas são mais velhas, estão sozinhas e gostam de ver as terras cultivadas. Nós fomos lá para isso, para começarmos a nossa horta, para aprendermos com os mais velhos. Aprendi a cavar com a Maria José, a plantar as batatas, a fazer queijo… Claro que também nos tivemos de dar à aventura, ao desconhecimento.

 

O tempo do estágio foi de cinco meses e eu fiquei mesmo depressiva. Foi muito engraçado, porque foi antes do ‘boom’ no Instagram. Despedi-me e disse: “não consigo. Prefiro estar a ganhar pouco, mas a fazer o que gosto”Nunca houve a tentação de voltar a ter um trabalho comum como toda a gente?

Na realidade, houve uma fase em que decidimos voltar a estudar, porque não tínhamos terminado as nossas licenciaturas. O André terminou o curso de Engenharia Agronómica e eu o de Belas Artes, faltavam duas cadeiras.

Depois, fiz um estágio profissional há três anos e o André também esteve a trabalhar nessa mesma empresa.

Não digo que não foi importante, porque ganhámos experiência. O tempo do estágio foi de cinco meses e eu fiquei mesmo depressiva. Foi muito engraçado, porque foi antes do ‘boom’ no Instagram. Despedi-me e disse: “não consigo. Prefiro estar a ganhar pouco, mas a fazer o que gosto”. Saí sem saber o que ia acontecer e, aí sim, comecei a investir nas redes sociais e a fazer mais vídeos e caminhadas.

Acredito um bocado que temos este poder de manifestação, quando queremos muito uma coisa ela acaba por vir, não como queríamos totalmente, mas as coisas acabam por surgir.

Na sua perspetiva, as pessoas estão a voltar à ‘terra’ ou a ir no sentido contrário?

Acho que temos os dois polos, mas há cada vez mais pessoas a quererem ir para a terra. Faço parte de algumas comunidades e todos os dias aparecem estrangeiros à procura de lugares. Também há cada vez mais pessoas a vender tudo e a ocupar terras que eram da família. Pessoas a querer educar os filhos de forma diferente, a querer mudar a alimentação, o estilo de vida.

Por outro lado, também vejo as pessoas a mudarem a sua imagem, a recorrerem ao uso de botox, por exemplo. Era uma coisa que não existia na geração da minha mãe… Não estou a criticar. Mas temos esse lado das pessoas que são fascinadas pela inteligência artificial e pela pós-robótica.

Com a tecnologia que existe na medicina convencional e com a sabedoria tradicional, do estilo de vida, de prevenção que existe na medicina natural, se as duas conseguissem conversar, tenho a certeza de que conseguíamos mais saúde Qual a sua posição em relação à medicina convencional, uma vez que é defensora da medicina natural?

Adorava que conseguíssemos ir para além do preconceito, que houvesse um diálogo. Com a tecnologia que existe na medicina convencional e com a sabedoria tradicional, do estilo de vida, de prevenção que existe na medicina natural, se as duas conseguissem conversar, tenho a certeza de que conseguíamos mais saúde.

Não acho que devamos pôr uma de lado, gostava que se conseguisse um caminho do meio. Tenho amigas médicas e naturopatas, há pessoas que estudam os dois lados e conseguem conciliar. Muitas vezes, para os médicos convencionais, os naturopatas são um bicho-papão, porque parece que lhes estão a roubar pacientes.

Ainda assim, acredito muito na prevenção e no estilo de vida. Para mim, é uma questão de viver as coisas na base, como a alimentação, onde se mora, os pensamentos que se tem. Por exemplo, nos hospitais. Vai-se à cafetaria e servem se for preciso um refrigerante ou um croissant com chocolate. Na minha opinião, essas duas coisas não podem estar no mesmo prato. Não pode ter alimentos que provocam a doença e compensar tudo com comprimidos.

Tem de haver respeito pelo conhecimento popular e tradicional. Isso perde-se se não for visto num microscópio ou com um estudo pago – porque a maior parte deles é pago… Isso tem-se verificado. Um dia um estudo diz que é bom consumir um alimento, num outro dia surge outro [estudo] que afirma o contrário.

Tento sempre dar essa perspetiva: cada corpo é um corpo. Muitas vezes, é essa abordagem do indivíduo que se perde no mecanicismo da medicina convencional. Às vezes, dá jeito, por exemplo, quando se parte um braço, saber onde é que tudo se vai encaixar. É esta questão de casar as duas coisas. E acredito que vai ser esse o caminho, porque a medicina convencional não está a conseguir dar conta.

Temos esta coisa de que as crianças vão para a escola para sociabilizar, mas se pensarmos bem eles têm o quê? 15 minutos de manhã e à tarde? Ele vinha com conversas discriminatórias e músicas sexualizadas e isso fazia-me imensa confusãoNo Instagram referiu que decidiu optar pelo ensino doméstico para os seus dois filhos. Por que motivo tomou a decisão?

Sempre foi a opção, mas dizia também que se o meu filho me pedisse para ir para à escola eu deixaria. E foi isso que ele fez.

Andámos até ao final do ano e sentimos que não houve grande espaço para diálogo. Para nós, foi perceber de que forma o poderíamos acompanhar melhor. É algo que exige bastante dedicação por parte dos pais, principalmente porque há um currículo a seguir, depois há reuniões com a escola… Para mim, tem muito que ver com poder dar ao meu filho o que ele precisa. É criar espaços de convívio com outras crianças, mas em contextos mais saudáveis.

Temos esta coisa de que as crianças vão para a escola para sociabilizar, mas se pensarmos bem eles têm o quê? 15 minutos de manhã e à tarde? Ele vinha com conversas discriminatórias e músicas sexualizadas e isso fazia-me imensa confusão. Chegava a casa e tinha de desconstruir tudo. Claro que é a sociedade em que estamos e ele tem de aprender a lidar com isso, mas chegámos à conclusão de que a parte social pode ser explorada em grupos de pais de ensino doméstico.

As crianças juntam-se uma ou duas vezes por semana para brincarem livremente em parques, para ir visitar museus… Além disso, também frequentam atividades extracurriculares. Também há escolas mais alternativas, para os pais que não são capazes de ensino doméstico.

 

No fundo é dar liberdade à criança para aprender da forma que lhe é mais benéfica.

Os especialistas em educação dizem que é uma tortura teres uma criança com seis anos fechada numa sala e obrigada a estar sentada: esse era um dos problemas que eu tinha lá na escola primária.

A professora dizia-me que ele não estava sentado na cadeira. É normal, é uma criança, está em pleno desenvolvimento, tem de experimentar e deitar a energia cá para fora. Ele acompanha muito bem a matemática e fazia as coisas mais depressa do que os outros e ficava ali sem nada para fazer.

O ensino público teria muito a ganhar se se individualizasse mais, se tivesse turmas mais pequenas, mais apoio para os professores, que estão sobrecarregadíssimos. É mesmo preciso uma revolução no sistema de ensino para preparar as pessoas para aquilo que aí vem.

Para as pessoas que vivem num apartamento e que não podem ir para o campo, mas que ainda assim querem uma vida mais ligada à natureza – que mudanças podem fazer?

A primeira coisa que me vem à cabeça é terem uma horta, comunitária por exemplo ou horta vertical na varanda, caminhar todos os dias no parque da cidade, fazer compostagem (em Amarante, por exemplo, têm um sistema de recolha)…

Disse-me que estava a terminar o curso de naturopatia. O que virá a seguir?

Na verdade, acho que já terminei, só me faltam as notas. Vou iniciar uma nova carreira, muito desejada, queria mesmo acompanhar as pessoas para encontrarem uma vida mais equilibrada, onde quer que estejam, na cidade ou no campo. Não sou radical.

Vou continuar com as minhas caminhadas, os meus eventos online e estou a escrever um livro que tenho de acabar até ao final deste ano. Também queremos lançar uma comunidade online… Projetos não nos faltam.

Redação com noticiasaominuto