Quase um em cada sete portugueses que vivem com obesidade não reconhece a sua condição clínica, indica um novo estudo da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP). A investigação, que aponta para persistentes lacunas de conhecimento e baixos níveis de literacia em saúde, sublinha um preocupante “hiato de perceção” face à doença.
A 9.ª edição do estudo “Saúde que Conta” avaliou o conhecimento, as atitudes e a literacia em saúde dos adultos portugueses relativamente à obesidade. Embora mais de 90% dos inquiridos a reconheçam como uma doença crónica que exige tratamento, menos de metade (47,5%) sabe que a sua classificação depende de um Índice de Massa Corporal (IMC) igual ou superior a 30.
A amostra analisada revelou que 35,5% dos participantes preenchiam os critérios de obesidade, mas apenas 20,45% declararam ter a doença. Em declarações à Lusa, a investigadora Ana Rita Pedro confirmou que o não reconhecimento da doença foi o dado mais surpreendente para a equipa.
“Podemos estar perante ausência de conhecimento sobre o que é a obesidade, estigma — a recusa em assumir o rótulo —, negação da condição clínica ou falta de literacia”, explicou a investigadora da ENSP.
O estudo também destaca a existência de discriminação, especialmente em esferas íntimas. Enquanto a aceitação social é elevada em contextos de amizade ou convívio, as probabilidades de ter um encontro amoroso ou de confiar os cuidados dos filhos a uma pessoa com obesidade diminuem significativamente nas respostas.
No campo da imagem corporal, os dados evidenciam uma desigualdade de género. “Tradicionalmente, existe maior tolerância para o excesso de peso nos homens. No caso das mulheres, o olhar tende a ser mais crítico”, sublinhou Ana Rita Pedro, que destacou o papel das redes sociais na exposição constante a padrões ideais, contribuindo para um julgamento mais rigoroso do corpo feminino.
Relativamente à literacia em saúde, o estudo conclui que as pessoas com obesidade apresentam níveis “tendencialmente mais baixos”, sendo que 54,1% revelam níveis “problemáticos” ou “inadequados”.
Apesar de a literacia em saúde ter melhorado em Portugal (os níveis negativos caíram de mais de 60% em 2016 para os atuais 45%), a investigadora defende uma ação conjunta entre academia, decisores políticos e entidades governamentais. É crucial reforçar a presença de informação validada nas redes sociais para que a população consiga distinguir evidência científica de estratégias de marketing e combater a desinformação.
“A maior dificuldade está na promoção da chamada ‘literacia crítica’: a capacidade de analisar o que nos rodeia e distinguir informação credível de conteúdos enganadores”, concluiu Ana Rita Pedro.
Redação com Lusa






