Um projeto agrícola lançado em 2011 na Beira Baixa — mais precisamente no Vale da Sarvinda, em Vila Velha de Ródão — mobilizou cerca de dois milhões de euros em apoios públicos, mas tornou-se um caso emblemático de fracasso e suspeitas de má gestão. O caso expõe falhas graves no controlo dos subsídios ao setor agrícola e levanta dúvidas sobre a utilização de fundos comunitários e nacionais.
O ambicioso projeto Vale da Sarvinda foi criado por um grupo de jovens sem experiência no setor — entre eles um advogado em Macau, um economista do Banco Central Europeu e um engenheiro na Califórnia — com a promessa de revolucionar a agricultura e criar uma comunidade sustentável. Porém, rapidamente mergulhou em incumprimentos, abandono e conflitos internos.
Das 18 empresas de jovens agricultores constituídas no âmbito do projeto, praticamente nenhuma desenvolveu atividade efetiva. Muitos dos promotores residiam fora de Portugal, mas os subsídios continuaram a ser pagos: só do programa Proder vieram 1,3 milhões de euros, sem fiscalização eficaz. A unidade turística associada, a Mushmoon, que recebeu mais de 150 mil euros, nunca chegou sequer a abrir ao público.
Entre 2017 e 2020, o IFAP abriu 17 processos para recuperar verbas indevidamente pagas, exigindo a devolução de 440 mil euros. Até hoje, apenas 26 mil foram recuperados. As estufas e plantações permanecem ao abandono, as infraestruturas estão em degradação e os fundadores trocam acusações de fraude, má gestão e emissão de faturas falsas.
Apesar do panorama negativo e da quase total inatividade, João Mineiro, atual gerente e funcionário do BCE, insiste que o projeto “está a retomar” e até promete lucros a distribuir já em 2024, afirmando que o Vale da Sarvinda “é uma exceção de sucesso” entre os projetos de jovens agricultores. Mas os números e a realidade no terreno contam outra história: prejuízos acumulados, produção irrelevante e a maior parte dos fundos públicos sem retorno.